Paulina Chiziane: entre a tradição e a modernidade
“QUANDO eu nasci – conta Paulina Chiziane – os meus pais temeram pela minha vida. Vim ao mundo com um peso muito baixo, a minha saúde era muito frágil. Então houve necessidade de consultar sacerdotes e adivinhos para descobrir o que é que eu tinha. Estes concluíram que havia um espírito importante que queria encarnar em mim. Foi necessário um ritual muito complicado para celebrar a encarnação do dito espírito importante. O tratamento que eu tenho ainda hoje, dentro do clã, apesar de estar a viver na cidade, quando eu regresso a Gaza, à minha aldeia natal, é um tratamento especial, porque tenho o nome do grande antepassado”.
Quem, mergulhando nas comunidades rurais, não ouviu falar de gente que se transforma em animais e sob esta forma comete as maiores atrocidades, de mães feiticeiras que devoram os seus filhos, de gente que possui corpos fechados invulneráveis às balas? Gente que não é “inocente” como nós, mas que possui poderes conferidos por espíritos que encarnam nos seus corpos e que agem por eles? A par destas histórias, outras mais benignas como a de bebés que a medicina havia dado como condenados e que encontram salvação em rituais como aquele em que foi encontro o espírito antepassado que encarnou em Paulina Chiziane e que, uma vez apaziguado pelo ritual, a fez desabrochar para a vida.
Como falar destes assuntos cuja veracidade parece duvidosa, mas cuja realidade é real (como diz o provérbio “não acredito em bruxas mas que as há, isso”)?
Se reportarmos da mitologia para o animismo podemos dizer com Karen Armostrong que o animismo não é teologia, no sentido actual do termo, mas algo que trata da experiência humana. As pessoas que vivem sob o animismo pensam que os deuses, os seres humanos, os animais e a natureza estão inextricavelmente unidos, sujeitos às mesmas leis e são compostos da mesma substância divina. Para eles não existe qualquer hiato ontológico entre o Mundo dos Antepassados e o mundo dos homens e mulheres. Quando os indivíduos falam dos Antepassados, habitualmente referem-se a um aspecto do mundano.
O que nos coloca o problema que Achille Mbembe, antropólogo africanista define o seguinte modo: “É necessário uma nova linguagem que nasça da vida quotidiana das pessoas comuns, assuma as angústias da sua vida, os seus pesadelos, as imagens através das quais as pessoas comuns exprimem o que sentem ou sonham”.
Como fazê-lo se os escritores africanos escrevem em línguas europeias onde este universo simbólico não encontra correspondência? Como encontrar as palavras, fender as armações sintácticas, convocar expressões que sejam veículos para a voz dos espíritos dos antepassados que vão encarnando nas personagens das histórias de todos os dias, consoante as situações que estas vivem? E como fazê-lo sem cair na armadilha do exótico?
O emprego da língua portuguesa para Paulina Chiziane não foi isento de conflitos, associados à sua identidade. A sua língua materna é o chope, vista por ela como língua da resistência ao colonialismo e a língua portuguesa esteve conotada na sua infância com aqueles que tinham levado a sua família para o trabalho forçado. Foi criada numa atmosfera anti-branca muito acentuada. No entanto, sendo a escolarização feita em português, a língua dos brancos, a sua adaptação a ela e a sua adopção como língua de comunicação não foi fácil. Até porque o contacto entre brancos e negros era, segundo ela, quase inexistente. E talvez por isso, agora, a forma de não trair os seus seja reivindicar nessa língua alheia, um lugar para o seu universo de infância.
O desafio que enfrenta Paulina Chiziane é a tradução fiel desse universo que ela vivenciou, deixando que as palavras se fecundem no plasma das sensações e das vivências. Ela tacteia e espera que as palavras venham ao encontro da situação, em seu auxílio.
Mas esse anseio de, simultaneamente, achar um lugar para essa exterioridade temática, plástica, sensorial, a outra língua, leva-a a um constrangimento: o desejo de comunicar o seu universo validando os seus pelo olhar dos outros, obriga-a a aceitar os imperativos processuais de outra língua, a sua pétrea construção gramatical. Veremos adiante os limites derivados da escritora se apegar tanto aos moldes tradicionais da língua portuguesa.
A sua escrita é desta forma uma solução de compromisso como em todas as traduções. Mas, pouco a pouco, à medida que a consciência deixa de comandar a acção e o verbo ocorre ao chamamento da história, Paulina Chiziane tece, segundo ela, não romances, mas histórias – que poderiam ser contadas à volta de uma fogueira – onde vivos e mortos se procuram, se disputam, se entrelançam e reconciliam. E se em Balada de Amor ao Vento, seu primeiro romance, Paulina vai penetrando a medo no mundo tradicional, erguendo a teia onde uma mulher aprende o amor e as suas ilusões numa eterna fiação de sofrimento, em O Sétimo Juramento, os passos são mais firmes, elaborando uma trama que permite aos personagens irem ao fundos dos seus sentimentos, medos, pesadelos e ambições, com as palavras a ganharem corpo e forma, transportando as imagens desse mundo subterrâneo, anterior a qualquer denominação moderna.
Aliás, a obra da autora faz um voo completo sobre a História deste país: Balada de Amor ao Vento insere-se no período colonial, com uma dicotomia acentuada entre o mundo tradicional, rural e o universo das cidades, contaminado pelos valores monetários e onde cada indivíduo está entregue à sua sorte. Ventos do Apocalipse retrata a guerra civil em Moçambique. Niketche e o Sétimo Juramento passam-se numa altura mais recente em que a nota dominante na sociedade é o liberalismo e a nostalgia das formas tradicionais faz com que elas emerjam do subterrâneo para onde os ventos do Iluminismo as tinham levado.
E, se, Niketche foca essencialmente o problema da mulher na sociedade actual moçambicana, em que a recriação da poligamia sob formas camufladas mais não faz do que acentuar a desprotecção da mulher, em O Sétimo Juramento as temáticas são mais abrangentes e a tradição é recriada em todas as esferas: a do poder, a da família, a da economia.
A intriga de O Sétimo Juramento localiza-se nos últimos anos da guerra civil. “É Inverno, é Junho, os pobres confortam-se nos braços das amantes. “Na cidade alheia à morte que embebe de sangue as estradas, as greves marcam o falhanço da utopia socialista que preconizava o “pão para todos”. Há meses que os trabalhadores não recebem salário.
David, o Director da empresa estatal, desviou o orçamento da fábrica para comprar um novo carro e para realizar investimentos pessoais. Longe vão os tempos em que David ‘tinha o coração do tamanho do povo. Hoje para ele a palavra povo é um simples número, sem idade nem sexo. Estatística’. Mandou erguer uma mansão na qual, Vera, sua esposa amantíssima, qual Penélope, fia e desfia os seus dias, mantendo a tranquilidade e o bem-estar da família. Clemente, o folho adolescente debate-se com um mundo imaginário povoado de espíritos malignos que lhe assombram as noites e se alumiam nos clarões dos raios das tempestades, desfilando ao ritmo dos estrondos.
A avó liga o mundo presente ao mundo dos antepassados, sabe que espírito encarnou em que corpo e encontra as explicações para o que se passa, em cada determinado momento numa complexa cartografia genealógica, nos nós da sua linhagem.
Esta tranquilidade familiar será posta à prova quando os operários da fábrica que David dirige, declaram greve, ameaçando o poder do Director. Lourenço, um outro empresário amigo, instiga-o a procurar ajuda junto das forças sobrenaturais, lembrando-lhe: “Não sou órfão! Sou negro. Tenho a minha própria raiz e o meu canto. Sou aquele que encarnou o embondeiro secular. Caminho sobre o fogo e não me queimo. Na empresa que dirijo, as minhas mãos banharam-se de sangue se não se conspurcaram. No confronto com os operários as minhas mãos mergulham no sangue mas não se mancharam. Sou invulnerável. Não gravito, levito”. Para conservar a sua posição, o reticente e incrédulo David, envolve-se-á numa sucessão de rituais secretos de um mundo tão obscuro que os espíritos acabarão por o levar a seduzir e tornar-se amante da sua própria filha.
Vera e Clemente lutarão do outro lado da barreira, procurando espíritos conciliares que se oporão às forças do mal e da ambição do marido e pai, a fim de preservar a paz da família.
Em torno da família de David, orbitam também Mimi, uma virgem que ele compra numa casa de prostituição e Cláudia, secretária que dá à luz no mesmo dia que Mimi, o que deixa perceber que o mundo da poligamia se mantém, ainda que encoberto por casamentos aparentemente monogâmicos.
Neste livro a autora conjuga todos os temas que se esboçaram nos livros anteriores: a realidade da mulher nas sociedades de origem bantu, a poligamia camuflada, o inconsciente colectivo banhado por um imaginário ancestral de medos, forças e poderes conquistados em rituais secretos. Mostra-nos uma sociedade em que a corrupção é nota dominante nas camadas dirigentes, em que os ideais de justiça deram lugar a ambições pessoais que tudo justificam. As máscaras das personagens vão caindo à medida que os actos se sucedem. Advogados bem falantes dão lugar a curandeiros, empresários estudados na Europa encarnam espíritos de antepassados. E as crenças antigas são usadas para se alcançar os lugares de poder, “os mais altos ramos da árvore” de um país onde o passado e o presente se entrecruzam deixando as pessoas espartilhadas entre várias identidades.
E, embora Paulina Chiziane diga que a sua escrita está sujeita a uma auto-censura, porque em Moçambique, nas suas palavras, a liberdade de expressão é ainda uma miragem, não podemos deixar de admirar a coragem com que expõe as contradições, os dilemas e ambiguidades da sociedade de que emana.
Um livro imprescindível a quem pretende ver este país, para além das aparências. Mas concentremo-nos agora na contradição que o perpassa.
A escrita de Paulina edifica-se segundo processos formais nos antípodas de Mia Couto. Paulina é e pretende ser uma escritora de testemunho, imbuída duma vivência interna às sociedades africanas de cariz tradicional, e o seu olhar tem as marcas de uma transcrição “directa”, com os “efeitos de evidência” comuns aos regimes naturalistas. Comparando as suas narrativas com as de Mia Couto, surpreendo-nos que uma mulher com a sua experiência e para quem o português não foi a língua materna queira respeitar mais a gramática e a estrutura sintáctica da língua de Camões, que o branco educado no seio de uma cultura de colonos e que nunca falou outra língua, e que prefere não adoptar numa “língua pura” para o seu universo literário e antes recriar uma “mestiçagem em devir”.
Talvez uma carta de Octavio Paz para o poeta catalão Pere Gimferrer nos elucide sobre a natureza deste problema. Escreve Paz: “creio que para você a linguagem não é algo dado mas sim algo que devemos refazer a cada dia. Algo que inventamos diariamente e que diariamente nos inventa. Vou-me explicar: Cernuda, poeta que admiro, servia-se das palavras para expressar ou desentranhar os seus conflitos e as suas visões. A linguagem era nele o instrumento para criar objectos verbais (poemas) que fossem ao mesmo tempo declarações espirituais ou psicológicas. Para um poeta como Huidibro, poeta chileno, para escolher o outro extremo, a linguagem em si mesma é já um conflito, um conflito: não se serve das palavras, sabe que são tão reais (ou irreais) como as árvores, as casas, os aviões e as paixões: são o seu ser mesmo e o que não é o seu ser, a sua vida e aquilo que lhe será sempre estranho. Huidibro ou a paixão pela linguagem; Cernuda ou a linguagem da paixão. A linguagem do chileno, para além de toda a odiosa comparação sobre os ‘méritos’ poéticos, é mais radical. É crítica e criadora: ao enfrentar-se com a linguagem se enfrenta com os fundamentos mesmos do mundo. O mundo não é o que vimos, nem sobretudo, o que dizemos. Para dizer o mundo há que inventar outra vez toda a linguagem – todo o mundo que é uma linguagem”.
Ou seja, enquanto na escrita de Paulina se plasmam literalmente os conflitos de identidade e a sua expressão é declarativa, em Mia Couto a clivagem é mais subterrânea e corresponde ao nível magmático que forja a própria linguagem, pelo que nele podemos falar de uma identidade sempre “em crise” – será preciso reinventar uma língua para que o mapa da identidade se refaça.
Temos assim, na tipologia avançada por Paz, que em Paulina encontramos a linguagem da paixão enquanto em Mia Couto se apresenta a paixão da linguagem.
Cremos que o salto desejável para Paulina Chiziane, a fim de que os seus temas e forma se imbriquem indissociáveis, será o de se alçar a essa outra dimensão em que já orbita Mia Couto e que então o vazamento do Mundo dos Antepassados encontrará a sua expressão mágica ideal.
Mas, contudo, e para terminar, não duvidemos que já temos em Paulina o mais lídimo espelho dos problemas das mulheres na sociedade moçambicana. Basta-nos citar um relato de vida que a autora consegue transformar em metáfora da história do país. Lê-se assim, em Niketche: “Há dias conheci uma mulher do interior da Zambézia. Tem cinco filhos já crescidos. O primeiro, um mulato esbelto, é dos portugueses que a violaram durante a guerra colonial. O segundo, um preto elegante e forte como um guerreiro, é fruto de outra violação dos guerrilheiros de libertação da mesma guerra colonial. O terceiro, outro mulato, mimoso como um gato, é dos comandos rodesianos brancos que arrasaram esta terra para aniquilar as bases dos guerrilheiros do Zimbabwe. O quarto é dos rebeldes que fizeram a guerra civil do país. Esta mulher carregou a história de todas as guerras do país num só ventre. Mas ela canta e ri. E, de lágrimas nos olhos e sorriso nos lábios, declara a quem passa: os meus quatro filhos sem pai nem apelido são filhos do deus do fogo, filhos da história, nascidos pelo poder dos braços armados com metralhadoras...”
- Teresa Noronha
Escritor tem que revelar o que a história não consegue - Paulina Chiziane, no lançamento na Beira de “As Andorinhas”
A MISSÃO dos escritores deve ser a de trazer à superfície o que a história não consegue revelar. Esta posição foi defendida semana passada pela escritora moçambicana Paulina Chiziane, que lançou na Beira a sua mais recente obra, “As Andorinhas”. Na capital provincial de Sofala, a autora defendeu ainda que a mulher do nosso país ainda tem muito por dar à literatura, devido ao seu maior envolvimento naquilo que são as questões mais marcantes do dia a dia dos moçambicanos.
Ainda a propósito, Paulina Chiziane explicou que para pôr em prática esta realidade, ela fez uma homenagem àlgumas figuras nacionais que muito merecem, como são os casos de Eduardo Mondlane, Lurdes Mutola e Graça Machel, que julga que a história do nosso país ainda não trouxe o suficiente sobre estes e outros nomes emblemáticos.
Confessou, igualmente, que a obra “As Andorinhas” identifica-se muito com ela mesma, sobretudo por trazer à ribalta o aspecto liberdade que o país, através dos seus filhos queridos, conseguiu conquistar, para o que foi necessário algum derramamento de sangue.
FALTA LIBERTAÇÃO MENTAL À MULHER
Paulina Chiziane reconheceu também que a literatura moçambicana está a registar progressos mas que ainda há muito por ser feito, sobretudo no que diz respeito às histórias que mais se identificam com os moçambicanos.
“A literatura moçambicana está a andar, mas tem que crescer”, referiu Paulina Chiziane.
Em relação à mulher, Chiziane afirmou igualmente que ainda há muito que elas devem fazer em prol da literatura. “Falta a libertação mental do que têm que escrever. As mulheres têm muito por escrever. Existe um momento do seu dia a dia que deve ser escrito e ainda não foi. Sem medo as mulheres devem escrever muito mais”.
“As Andorinhas” é um livro que junta três contos, sendo o primeiro lançamento aconteceu em Fevereiro em Maputo. Questionada se escrever contos é a sua nova aposta depois de ter deixado a sua marca na literatura como romancista (apesar de ela não assumir que o é), Chiziane não confirmou nem desmentiu.
“Se são contos, não sei. Se escrevo romances ou contos, também não sei. Sou sei que nesta obra escrevi pequenas história que trazem factos”, respondeu, tendo, mais uma vez, referido que “não sei se sou escritora, mas escrevo histórias que contribuem de alguma forma para a nossa literatura andar”.
Revelou, por outro lado, que tem obras na manga, mas não avançou detalhes sobre o assunto alegando que o tempo dirá. Mas confessou que a liberdade continuará a ser uma das suas grandes apostas por viver num país alegre e cheio de virtudes.
TRÊS LIÇÕES DE VIDA
“As Andorinhas” traz apenas três contos, mas fortes no conteúdo, que fazem da obra um tema em que reflectir, uma história para contar e reinventar, à custa de um tema que será sempre presente no percurso dos moçambicanos, pelo menos se tomarmos como normal a sua (in)capacidade de criar ou inventar referências. Por falar em referências, Paulina, uma romancista que, por mera pirraça, rejeita o rótulo, definindo-se “apenas” como contadora de his(es)tórias, pegou em três das mais famosas do percurso dos moçambicanos desde a pré-existência deste país como nação. Ngungunyane, Eduardo Mondlane – o herói-mor desta pátria de heróis – e, autofabricada mais recentemente, Lurdes Mutola, são as personagens da obra, editada pela Índico.
Se o gordo imperador é uma figura consensual apenas do ponto de vista oficial, o mesmo não se pode dizer do fundador da FRELIMO, perecido há precisamente 40 anos, ou da atleta que será eternamente menina – e dourada – para os moçambicanos. “Ngungu” é, a julgarmos pela história e pela lenda (nesta baseou-se Paulina Chiziane para questionar “Quem Manda Aqui?”), um líder que agradou muito a uns e nada a outros, particularmente aos chopes, que nutrem sobre ele uma aversão de estimação.
É aquele conto sobre o homem que não é originário de Moçambique (descendente de um invasor, e por via disso e da sua postura também invasor, logo de heroicidade questionável, quanto a nós) que dá origem ao novo livro de Paulina Chiziane.
A escritora, uma chope nada em Manjacaze, terra do ponto de vista da divisão administrativa de Moçambique “pertencente” a estes e aos changanas, bebeu muito das histórias maioritariamente contadas pelo pai – alfaiate exímio contador de estórias, conforme ela faz questão de referenciar. A carga emocional com que escreveu “Quem Manda Aqui?” é reveladora do quão incontornável o coração em toda a racionalidade, o que equivale a dizer que o meio em que vivemos (por vezes) condiciona toda a nossa racionalidade.
Uma obra literária escrita por um grande escritor – grupo em que cabem, na galáxia moçambicanas destes criadores, uns poucos, entre eles Paulina Chiziane – é fundamentada pelo contributo que ela dá à sociedade. E, desta vez, o que a escritora que se revelou com “Balada de Amor ao Vento” faz é um convite a uma reflexão que Moçambique tão urgente quanto necessária: porquê não há novas referências para a actual geração de compatriota.
Conforme constata Chiziane, os mais conhecidos heróis moçambicanos foram produzidos pela luta de libertação nacional, com a excepção de uma, Lurdes Mutola, a “Águia d’Ouro” que inspirou a escritora para o terceiro e último conto de “As Andorinhas”.
O ponto central dos três textos incluídos na obra “As Andorinhas” é a heroicidade. O percurso das três figuras em que se baseou a autora para produzir a obra é em si uma lição aos moçambicanos de hoje e do amanhã. Particularmente os de Eduardo Mondlane, o fundador da frente político-militar que pegou em armas para escorraçar os colonialistas do nosso território, e Lurdes Mutola, a atleta que, a partir dos finais da década de 1980, foi uma espécie de bálsamo às nossas frustrações, logrando vencer as suas mais temíveis adversárias nas pistas e assim projectar para altos voos o nome de Moçambique. Para Chiziane a educação Mondlane e Mutola foi crucial para que eles se tornassem em quem foram (e são) para os moçambicanos.
“Um pobre camponês, nascido numa aldeia do interior do nosso país e criado por uma avó, e uma jovenzinha nada num bairro como o Chamanculo, criada por pais de muito poucas posses, têm histórias de vida em que os pais de hoje deviam atentar para a educação dos filhos. Talvez a educação que tiveram em crianças terá sido crucial para que chegassem aonde chegaram, talvez tenhamos que nos inspirar nos que educaram estas figuras para instruirmos os nossos filhos”, comenta a escritora, que para escrever o conto sobre Mondlane leu a sua autobiografia “Chitlango, Filho do Chefe”, e o sobre Lurdes o que foi acompanhando desde os tempos em que a jovem atleta ainda era jogadora de futebol, na equipa masculina do clube Águia d’Ouro.
- EDUARDO SIXPENCE
Paulina Chiziane voa com “As Andorinhas”
Paulina Chiziane casou algumas lendas e a história de vida destas três personalidades para “ajudar a compreender o Moçambique de hoje, em parte por influência do que aconteceu no passado”.
Paulina Chiziane escreveu os contos que agora publica em “As Andorinhas” há vários meses, depois de reler um dos livros que ela considera “um dos mais marcantes” da literatura moçambicana: “Chitlango, o Filho do Chefe”, de Eduardo Mondlane. Também inspirou-se em lendas à volta da figura do último rei do Estado de Gaza, contadas no seio dos chopes, etnia de que faz parte.
“É conhecida a aversão que Ngungunhane tinha aos chopes. Pertenço a este grupo e fui ouvindo no meu meio muitas histórias à volta dele. O seu poderio era por todos conhecido e respeitado. Conta-se que uma certa vez ele ordenou silêncio e umas pequenas criaturas, as andorinhas, perturbaram, do cimo de uma árvore, o seu descanso. Uma delas defecou lá de cima para a cabeça do rei. Na fúria que lhe era característico, o imperador chamou os seus homens e ordenou-os que caçassem todas as andorinhas. E o resultado dessa determinação é que eles saíram à caça das andorinhas, porque o rei as queria vivas junto de si para as castigar e pelo caminho acabaram por confrontar-se com os portugueses. O fim é o que todos já sabemos: o império chegou ao fim, o imperador foi preso e o seu poder acabou, por causa de uma andorinha”, explicou, em recente entrevista ao “Notícias”, esta escritora que se considera “contadora de histórias”.
O conto inspirado na vida e postura de Ngungunhane, ironicamente intitulado “Quem Manda Aqui?”, precede àquela que parece ser a estória central do novo livro de Paulina Chiziane. Eduardo Mondlane é para esta escritora um herói cuja importância ultrapassa os limites da luta pela autodeterminação dos moçambicanos. “Eduardo Mondlane carrega em si uma postura que devia servir de inspiração para todos nós, porque a sua importância ultrapassa também o que os nossos manuais de História dizem. Os moçambicanos devem olhar para ele e para aqueles que o educaram. A mim impressiona muito a sua simplicidade, que infelizmente não é característica de muitos de nós”, conta a escritora.
“Mondlane é uma pessoa poderosa, mas simples, ensinadora e cativante. Para além disso, as pessoas que o rodearam, nomeadamente as duas mulheres que o educaram (mãe viúva e avó) também são de grande mérito, porque, pobres, fizeram de uma criança também pobre um grande homem. Um homem que inspirou um povo num momento particular da nossa caminhada, mas em quem todos se deviam inspirar nos dias que correm. As mulheres que o educaram também são pessoas em quem nós devíamos olhar para educarmos os nossos filhos”.
O conto em Paulina Chiziane viaja em torno de Mondlane intitula-se “Maundlane, o Criador e prenuncia um outro, “Mutola, a Ungida”, sobre aquela que os moçambicanos têm como a menina de ouro. “Ela é muito mais do que uma mulher dourada. A história dela faz lembrar a de Eduardo Mondlane, é uma história de luta, de humildade, de contágio, que faz um povo jubilar. É assim que eu a vejo”.
Ao publicar este conjunto de textos Paulina Chiziane pretende-nos chamar para aquilo a que ela chama “uma necessidade urgente” no nosso país: “há muito que nós não produzimos personalidades fortes, do tamanho e envergadura de um Eduardo Mondlane, por exemplo. Sinceramente, a única que nós produzimos foi precisamente a Lurdes. Onde mais, para além da geração da luta de libertação nacional irão os nossos jovens e crianças buscar inspiração?”.
LITERATURA - Paulina Chiziane : A literatura sempre despertou a mulher
Na senda do 7 de Abril, Dia da Mulher Moçambicana, a nossa Reportagem procurou e falou com Paulina Chiziane, numa entrevista em que se falou um pouco sobre a sua viagem pelo mundo literário.
A escritora referiu que, apesar do sucesso que tem alcançado reconhece que falta muita coisa para que a mulher se expresse como tal, no campo literário.
Para ela, um dos factos é que literatura é um exercício de solidão, que exige muito tempo e muita concentração, o que é difícil para uma mulher, porque ela nunca está só.
Aponta ainda como factores inibidores os eventos sociais, como casamentos, falecimentos, missas, festas de aniversários e outros que sempre ocupam a mulher. Cuidar dos filhos e da família são outras ocupações que impedem que uma mulher mergulhe na solidão.
“Mais ainda, podemos dizer que a capacidade de escrever, o domínio da língua a bibliografia são outros elementos pouco acessíveis que condicionam a presença da mulher na literatura, o que, à partida, torna o homem como único indivíduo credenciado para escrever”, disse.
Ainda no tocante à limitação da mulher no campo da literatura, a nossa entrevistada fala de alguns desafios. É que escrever um livro é uma aventura. Nunca se sabe o que irá acontecer, em termos de reacção, de quem lê as suas obras e isso, sem dúvida, faz imperar o mito do medo.
Recua no tempo e lembra o momento em que Noémia de Sousa, poetiza, foi presa por ter escrito algo. Mesmo azar tiveram os escritores Rui Nogar, José Craveirinha e Albino Magaia, tudo tendo como ponto de partida as suas obras literárias.
Paulina Chiziane dá exemplo da sua experiência de pós publicação. Afirma que nos dias que correm não se lembra de prisões relacionadas com publicação de obras, mas fala de reacções negativas que, de certa forma, podem concorrer para a desmotivação de quem publica. “Quando lancei o “Sétimo Juramento” fui criticada e conotada com coisas que se calhar nem pratico, mas porque mergulhei no assunto, com profundidade, conotaram-me com elas. Chamaram-me inclusive promotora de obscurantismo, aquilo que se pretende combater. Com o livro “Balada de Amor ao Vento” aconteceu a mesma coisa. Houve gente que tentou dizer que eu teria escrito a minha própria história e muito mais coisas...”, recordou.
Sobre um conselho que possa dar à nova geração que tenha interesse pela literatura, assim como àquelas mulheres que já trilham o caminho da escrita como arte, a nossa entrevistada disse que não existe nenhum conselho a dar e explica: “A literatura é uma aventura individual. A pessoa sente que tem algo para escrever e fá-lo, razão pela qual não se pode dar dicas sobre como proceder”.
Tem sido comum, na nossa sociedade, muitas pessoas quando atingem um determinado patamar, não poucas vezes, serem confrontadas com o conformismo. Perguntamos a Paulina Chiziane se ela se sente conformada com a posição em que se encontra a mulher moçambicana no campo da literatura.
“De forma alguma me sentiria conformada pois, primeiro, há um grande desequilíbrio no pensamento humano. Na poesia, por exemplo, quando se fala da mulher, lá estão os homens a falarem das partes “mais apetitosas” de uma mulher e termina-se por aí, para além de que nós sofremos igualmente influência da literatura europeia, o que se nota com frequência quando se escreve uma poesia que fale da mulher.
Sobre se a emancipação da mulher pode se evidenciar por via da escrita, Paulina Chiziane concorda e recorda que mesmo no período da luta armada a poesia de combate privilegiou nalgum momento a mulher, despertando-a para participar em diferentes frentes dessa luta.
“Noémia de Sousa é uma mulher que admiro bastante, pois, ao falar da mulher, ajudou-me a despertar e acredito que a literatura sempre foi um instrumento de libertação”, sublinha.
“Balada de Amor ao Vento”, “Ventos do Apocalipse”, “ O Sétimo Juramento”, “Niketche Uma História de Poligamia”, “O Alegre Canto da Perdiz” e “As Andorinhas” são as seis obras que Paulina Chiziane já colocou no mercado bibliográfico e recusa-se a falar de projectos futuros, alegando que não pensa em nada. “Se tiver que sair alguma coisa que saia, mas não penso em nenhum projecto. O vestido de noiva não se mostra a ninguém antes do dia do casamento”.
- Anabela Massingue
Em Cabo-Delgado : Festival Tambu arranca com debate sobre literatura
Paulina Chiziane foi “bombardeada” pelos seus fãs, principalmente estudantes “chateados” com o Niketche, uma das suas mais notáveis obras, recentemente reeditada pela sexta vez, referida nos exames extraordinários ainda em curso.
O carácter modesto, a frontalidade e a maneira como facilmente se confunde com o povo são algumas das características que foram levantadas para que ela esclarecesse àqueles que nunca haviam imaginado uma grande mulher colada na figura corporal que tiveram a possibilidade de com ela privar no centro cultural Tambo.
Esperam-se ainda delegações de outros pontos do mundo convidadas ao evento, que sempre utilizou o lema “celebrando a diversidade cultural”, bem assim pela Manuela Soeiro, do Mutumbela Gogo, e do artista nampulense que já publicou livros em banda desenhada, Justino Cardoso, que promete logo a seguir montar uma exposição sobre a província de Cabo Delgado, distrito por distrito.
Ainda ontem, já pela noite, houve uma sessão de “dizer poesia”, mais uma vez com o envolvimento de estudantes e outros poetas em miniatura. Destaque para Thomas, um burundês que levava na manga poemas escritos em francês, portugues e inglês e Buchulinho, que fez à questão de trazer um poema escrito e lido na sua língua materna, o shimakonde.
Entretanto, Paulina Chiziane anunciou ainda ontem o lançamento, para breve, de um concurso, no quadro de um festival de poesia dedicado a Eduardo Mondlane, para o qual se podem candidatar os nacionais, a título individual, com idades dos 13 ou mais anos, aconselhando-se que as obras sejam inéditas e escritas na língua portuguesa.
De acordo com o Regulamento, o júri será constituído por três individualidades de reconhecida competência por província e cinco a nível nacional.
Sairão os melhores 10 concorrentes por província, sendo que serão seleccionados três participantes por categoria de melhor técnica, em que o primeiro receberá livros no valor de 30 mil meticais e um computador portátil.
Ao segundo caberá o prémio de livros no valor de 20 mil meticais e um computador igualmente portátil, enquanto que o terceiro classificado vai receber livros no valor de 10 mil meticais.
Está prevista a atribuição de prémios à categoria popular, cujos prémios consistirão em equipamentos de som e computadores portátis. Mais importante ainda é o facto de o concurso prever que aos premiados será outorgada a edição das suas obras em colectânea e disco, obrigando-se os autores a transmitirem para os organizadores todos os direitos de autor relativos à primeira edição.
Paulina Chiziane diz que a iniciativa tem em vista falar de Eduardo Mondlane intelectual e social, “porque o Eduardo Mondlane, o político ou militar, está sempre a ser referido pelos políticos, queremos trazer Mondlane da maneira como os políticos nunca falam”.
- Pedro Nacuo
LITERATURA - As andorinhas de Paulina Chiziane
Paulina Chiziane produziu os contos que agora publica em “As Andorinhas” há vários meses, depois de reler um dos livros que ela considera “um dos mais marcantes” da literatura moçambicana: “Chitlango, o Filho do Chefe”, de Eduardo Mondlane. Também inspirou-se em lendas à volta da figura do último rei de Gaza, contadas no seio dos chopes, etnia de que faz parte. “É conhecida a aversão que Ngungunhana tinha aos chopes. Pertenço á este grupo e fui ouvindo no meu meio muitas histórias à volta dele. O seu poderio era por todos conhecido e respeitado. Conta-se que uma certa vez ele ordenou silêncio e umas pequenas criaturas, as andorinhas, perturbaram, do cimo de uma árvore, o seu descanso. Uma delas defecou lá de cima para a cabeça do rei. Na fúria que lhe era característico, o imperador chamou os seus homens e ordenou-os que caçassem todas as andorinhas. E o resultado dessa determinação é que eles saíram à caça das andorinhas, por que o rei as queria vivas junto de si para as castigar e pelo caminho acabaram por confrontar-se com os portugueses. O fim é o que todos já sabemos: o império chegou ao fim, o imperador foi preso e o seu poder acabou, por causa de uma andorinha”.
O conto inspirado na vida e postura de Ngungunhana, ironicamente intitulado “Quem Manda Aqui?”, precede àquela que parece ser a estória central do novo livro de Paulina Chiziane. Eduardo Mondlane é para esta escritora um herói cuja importância ultrapassa os limites da luta pela autodeterminação dos moçambicanos. “Eduardo Mondlane carrega em si uma postura que devia servir de inspiração para todos nós, porque a sua importância ultrapassa também o que os nossos manuais de História dizem. Os moçambicanos devem olhar para ele e para aqueles que o educaram. A mim impressiona muito a sua simplicidade, que infelizmente não é característica de muitos de nós”, conta a escritora.
“Mondlane é uma pessoa poderosa, mas simples, ensinadora e cativante. Para além disso, as pessoas que o rodearam, nomeadamente as duas mulheres que o educaram (mãe viúva e avó) também são de grande mérito, porque, pobres, fizeram de uma criança também pobre um grande homem. Um homem que inspirou um povo num momento particular da nossa caminhada, mas em quem todos se deviam inspirar nos dias que correm. As mulheres que o educaram também são pessoas em quem nós devíamos olhar para educarmos os nossos filhos”.
O conto em Paulina Chiziane viaja em torno de Mondlane intitula-se “Maundlane, o Criador” e prenuncia um outro, “Mutola, a Ungida”, sobre aquela que os moçambicanos têm como a menina de ouro. “Ela é muito mais do que uma mulher dourada. A história dela faz lembrar a de Eduardo Mondlane, é uma história de luta, de humildade, de contágio, que faz um povo jubilar. É assim que eu a vejo”.
Ao publicar este conjunto de textos Paulina Chiziane pretende-nos chamar para aquilo a que ela chama “uma necessidade urgente” no nosso país: “há muito que nós não produzimos personalidades fortes, do tamanho e envergadura de um Eduardo Mondlane, por exemplo. Sinceramente, a única que nós produzimos foi precisamente a Lurdes. Onde mais, para além da geração da luta de libertação nacional irão os nossos jovens e crianças buscar inspiração?”.
8 DE MARÇO - Mulheres e suas fronteiras
Sobre histórias destas mulheres, o destaque aponta para a escritora Paulina Chiziane, autora de “Niketche” que de forma nua e crua, falou da relação homem e mulher no período da dominação colonial. A escritora considera que o “território feminino” é um espaço com características específicas. As mulheres para se afirmarem, devem elas próprias, romper de forma permanente e contínua com as fronteiras “a sua volta.
Ela recorda que no tempo colonial a mulher passava por múltiplas dominações. A primeira que era do homem branco que dominava o seu marido negro e este por seu turno a dominava, colocando-a no plano de objecto que só servia para a procriação. As mulheres nunca tinham expressão nem voz. Elas foram educadas para ser submissas ao homem, símbolo de força. Às mulheres não lhes era assistido qualquer direito, mesmo a questão da sexualidade era marginalizada e banalizada.
Um ponto que prendeu toda a atenção foi quando disse que, foram poucas as mulheres que no período colonial ousaram levantar a voz contra o regime. Uma excepção foi para a poetisa Noémia de Sousa que escreveu “deixem passar o meu povo”, uma mulher determinada e com sangue no nacionalismo. Todavia, deixou assente que a poetisa (Noémia de Sousa) terá conseguido tal feito na época também pelo facto de ser mulata, (na hierarquia das raças o mulato estaria acima do negro e, por essa via, mais próximo do branco). Nessa altura, a mulher não lhe era dada a oportunidade para colocar suas ideias e pontos de vista. O lugar da mulher negra era a cozinha ou a fazer crochés e bordados, no caso de assimilada. Nas cidades, as mulheres dos subúrbios vendiam o seu corpo, deixando-se conquistar. No tempo colonial, o cruzamento de raças era só feito a partir do homem branco com uma negra e nunca o inverso. Nenhum homem negro ousou conquistar e fazer filhos com uma mulher de raça branca.
As reflexões de Paulina Chiziane foram atentamente acompanhadas por vários aficconados da literatura e não só.
O tema sobre os ritos de iniciação, um dos temas preferidos da escritora, esteve no centro das atenções da plateia. Falou dos erros que se cometeram num certo período da revolução, ao se apelar ao banimento dos ritos de iniciação. “Repudiamos uma prática milenar dos nossos ancestrais. Esquecemo-nos que os ritos de iniciação são uma outra instituição para formar o homem. Com estas práticas, o homem e a mulher aprendem a valorizar quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Porque na sua opinião um povo que se preza, sabe preservar a sua própria identidade. E um povo sem valores culturais é um povo vazio. A este propósito, mostrou-se desiludida com um sector da juventude actual, que só é receptora da cultura dos outros em detrimento da sua. E, sobre isso questiona, “quem foi que disse que só é bom aquilo que é dos outros?".
Felizmente, esse quadro hoje foi revertido e já se observam essas cerimónias a se realizarem na praça pública, apontando-se o caso do bairro Militar em Maputo que acolhe as festas da etnia Maconde.
Um outro ponto levantado e discutido na ocasião foi a circulação da sua obra no país. A escritora mostrou-se constrangida pois, ela observa que não é conhecida cá dentro. E, socorre-se de um dito popular que reza, “os santos de casa não fazem milagres”. Com este adágio, ela pretende dizer que embora seja valorizada e reconhecida no seu país, acha que o livro ainda não chega ao distrito. E como paradoxo, aponta para o facto do seu “Niketche: Uma História de Poligamia”, “O Sétimo Juramento”, "Ventos do Apocalipse” e outros circularem em países como Portugal, Espanha, Brasil, França, EUA e, brevemente, também, na Índia. “Foi preciso que me tivesse dado visibilidade no estrangeiro, para que, também, cá dentro, começassem, de forma tímida, a olhar-me com alguma importância. Uns chegaram a dizer que ela é romancista que escreve num português que não segue as regras da literatura, escreve com um português de Moçambique” e sobre isso ela pergunta, “e escrever num português de Moçambique afinal é mau? Só é bom quando se escreve no português dos outros?”
Noutro desenvolvimento, a escritora falou da questão da valorização da nossa gastronomia focalizando os grandes hotéis dos país. Ela acha que, não obstante, a grande variedade dos pratos típicos da nossa terra, os hotéis ainda não apostam a sério nos pratos como a “xiguinha”, “matsau”, peixe seco, xima, “txatini” e outros sabores. Na óptica de Paulina Chiziane, a nossa cozinha deveria ser o nosso cartão-de-visitas a ser exibido de forma permanente. “Vamos respeitar a nossa culinária. Não nos sintamos inferiorizados em comer um peixe seco num hotel de cinco estrelas. Não pensemos que quem come um bife com batatas fritas é superior em relação àquele que se serve da “cacana” ou “matapa”. E em jeito de apelo ematou, “é tempo de descolonizar a nossa cozinha!”.
Sobre a questão da homossexualidade, um tema actual e que tem sido abordado, ainda com alguma reserva pela nossa sociedade, a escritora diz respeitar a todas as pessoas que vivem na condição de homossexuais. Entretanto, Paulina Chiziane pensa que este assunto seria sempre abordado na sociedade rural com algum receio por ser algo que não faz parte do seu “mundo”. Entretanto, houve pessoas que contaram que nalgumas zonas do país, as crianças na infância que demonstrarem certos sinais tidos como “desviantes” são submetidas a um tratamento tradicional tendo como objectivo “endireitar” o “desvio” genético involuntário.
O encontro que decorreu no Auditório do Centro Cultural Franco-Mocambicano, juntou membros da organização da Mulher Moçambicana (OMM) que também foi co-organizadora destas conferências sobre a mulher que se deverão interligar nas celebrações do 7 de Abril Dia da Mulher Moçambicana.
Prémio Craveirinha anunciado amanhã
O Prémio Craveirinha foi instituído há alguns anos pela AEMO e a Hidroeléctrica de Cahora Bassa para estimular os autores moçambicanos que com as suas obras se destacam na batalha para engrandecer Moçambique.
O galardão tem um valor pecuniário de cinco mil dólares norte-americanos, inteiramente disponibilizados pela HCB.
Desde que foi instituído em 2004, venceram o Prémio Craveirinha os escritores Mia Couto e Paulina Chiziane (dividiram o prémio na primeira edição), Armando Artur e Eduardo White em 2005 e, no ano passado, João Paulo Borges Coelho.
Mia Couto e Paulina Chiziane foram distinguidos pelos romances “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra” e “Niketche”, respectivamente. Armando Artur e Eduardo White ganharam por “Os Dias em Riste” e “O Homem e a Flor”. Já o historiador João Paulo Borges Coelho foi reconhecido por “As Visitas do Dr. Valdez”.
Os livros dos primeiros laureados com o Prémio Craveirinha foram adaptados para o cinema e para o teatro, o que provou que tanto Mia Couto como Paulina Chiziane têm uma criatividade cujo aproveitamento ultrapassa as fronteiras da literatura, podendo ser aproveitados para outras áreas. “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra” foi adaptado para o cinema pelo realizador português João Carlos de Oliveira, que fez o filme “Um Rio” e “Niketche” para o teatro pela actriz do Mutumbela Gogo Lucrécia Paco, que assim se estreou como encenadora.
O Prémio Craveirinha é até ao momento, o maior prémio literário em Moçambique.
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